Há coisas que o tempo não apaga
Que melhor forma de explicarmos a carreira de um futebolista do que recorrer ao exemplo da areia e da ampulheta. Ao início, a ampulheta está cheia. A irreverência e o atrevimento estão no seu pleno mas o lado do tempo passado e da experiência mantém-se vazio. Com o passar do tempo os dois lados vão ficando equilibrados e os grãos de areia repartem-se. O lado do tempo já percorrido iguala o lado do tempo que ainda falta percorrer e é atingido o equilíbrio, o auge, o balanço perfeito. Contudo, a areia não pára de cair e com ele cai esse equilíbrio. O passado torna-se maior do que o futuro e, chegando a certo ponto, já não há mais grãos para encherem a nossa ampulheta. A carreira finda para que não estagne e se torne impossível de suportar todo o peso do tempo passado ...
Mas existem excepções. Existem ampulhetas que têm sempre mais um grau pronto a tombar para o outro lado, uma última réstia de energia e de irreverência. Três nomes são os perfeitos exemplos de que há coisas que nem o tempo leva : Javier Zanetti, Ryan Giggs e Francesco Totti. Três veteranos que ainda respiram classe.O primeiro é um argentino polivalente que faz do seu enorme pulmão a sua maior mais-valia. A sua inteligência permite-lhe actuar na lateral direita da defesa ou mais subido a meio-campo onde pode actuar numa posição mais lateral ou descaído para a mesma ala destra da sua equipa. Aos 39 anos, este jovem ainda corre como há 10 anos atrás. A velocidade não é a de outros tempos mas a sabedoria triplicou. A prova de que Zanetti ainda tem pernas é a célebre eliminação do Barcelona frente ao Inter orientado por Mourinho em que o natural de Buenos Aires anulou por completo outro argentino, o melhor do Mundo para ser mais específico, Leonel Messi. Mas nem seria preciso enaltecermos os seus desempenhos mencionando este feito, vê-lo em campo fala por si. Javier está no campo como um leão está na savana : em casa. A forma como se mexe, a forma como cobre os espaços, como passa, como sobe, como desce ... tudo isso revela anos e anos de experiência no desporto rei e uma imensa sabedoria que tempo algum pode apagar. Zanetti faz disto o vigor que talvez lhe falte graças ao peso da idade.
O segundo nome é o de um galês conhecido por ser um mago com a bola nos pés. Ryan Giggs está longe daqueles tempos em que a velocidade e a sua finta com a bola colada ao pé eram as suas maiores virtudes. Mas nada é insubstituível ! O que o tempo lhe levou, a velocidade, trouxe a dobrar em experiência. Hoje actua em posições mais interiores e é lá que dá autênticas lições de futebol aos mais jovens. A maneira como ele trata a bola revela que o toque e a técnica permanecem intactos com o desenrolar dos anos e de uma carreira recheada de triunfos, todos eles ao serviço do mesmo clube, o "seu" Manchester United. O seu B.I. tem 39 anos de idade, as suas pernas 23 anos de jogos e os seus pés duas décadas de sabedoria. Foi-se embora o extremo repentino mas ficou o mágico e inspirador representante de uma geração de ouro dos Red Devils.
Por último, falemos do mais jovem deste grupo de jovens trintões. Francesco Totti "só" conta com 36 primaveras, menos 3 que os seus companheiros neste artigo, mas a história pode ser comparável. Também ele é um homem que se pode associar a um clube. No seu caso, o clube é a Roma, antigo império recheado de gladiadores. Qual exacto gladiador, o seu físico que não está, naturalmente, não auge não consegue ser obstáculo ao espírito latino e guerreiro deste autêntico estandarte do clube romano. À semelhança de Giggs, Totti perdeu a velocidade e um pouco da sua potência mas mantém intacta a sua técnica. Não é anormal vermos Francesco executar toques de calcanhar soberbos para desmarcar os seus colegas ou facturar golos que parecem autênticas balas de canhão para os guarda-redes opositores. A torcida romana não parece importada com a idade e certamente que não se importaria se todos os jovens que alinham nas fileiras do clube tivessem metade da classe do Capitão, Totti. É que para além da óbvia qualidade, o italiano tem algo mais que raros jogadores têm : paixão pelo clube e pelo desporto e uma enorme alma.
Há coisa que o tempo não apaga. O tempo leva tudo a um futebolista : leva embora a potência e a velocidade, retira o vigor e o fulgor mas não traz só desgaste. Traz classe, traz experiência, conhecimento e sabedoria. A forma é algo temporário, mas a classe é algo intemporal.
2 comentário(s):
De Zanetti não tenho mto mais a dizer... aprecio a sua longevidade a alto nivel, mas nunca me encheu as medidas...
21 de março de 2013 às 12:13Já de Giggs e Totti tenho outra opinião... Giggs representa para mim a altura em que comecei a ver com atenção o campeonato inglês. Os meninos de Ferguson eram Os irmãos Neville, Scholes, Butt, Beckham e... Giggs... Todos com os seus 19 ou 20 anos a jogar ao lado de vedetas onde a maior era Cantona... Fantastico futebol esse do united!
Já de Totti recordo o tempo em que levava a Roma às costas e jogava a trequartista e não a avançado pq esse era Montella... Jogador de grande classe o italiano- a certa altura passou para PL e passou a melhor marcador do campeonato. Foi tv o primeiro médio a converter-se em goleador... bem antes de Messi. De Totti recordo tb uma história: um dia estava no jardim de sua casa e sua namorada chama-o dizendo «francesco vem para dentro que está a chover». A resposta do de totti é divinal: Não faz mal amore mio, cá fora tb chove!!
3 lendas, bem lembradas, excelente artigo do dp! Jogadores como estes e o que ainda conseguem dar, além da sua lealdade e de serem verdadeiros idolos nos clubes onde jogam, fazem do futebol mais qualquer coisa. Futebol sem jogadores como Totti Giggs ou Zanetti perdia metade do brilho, são o simbolo do verdadeiro futebol, como desporto com os sentimentos e emoções que oferece, não como um negocio e uma obrigação profissional(que acaba por ser o futebol dos dias de hoje no geral). Ainda cabia aqui o enorme Miroslav Klose embora não tão jovem!
21 de março de 2013 às 13:16Enviar um comentário